Pais de alunos com autismo e TDAH têm desafio maior com ensino à distância Ensino para crianças com autismo e TDAH traz dificuldades que vão do conteúdo escolar à concentração

Crianças e adolescentes de todo o mundo precisaram se adaptar às mudanças no ensino com a pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Porém, uma parcela da sociedade em idade escolar tem, além das necessidades comuns a esses estudantes, outros desafios que precisam de um auxílio ainda maior, como é o caso das crianças com transtorno do espectro autista (TEA) e transtorno do deficit de atenção com hiperatividade (TDAH).

Aos 12 anos, Aline está matriculada no sexto ano do Ensino Fundamental e há algum tempo realizava as atividades escolares em casa, por meio do atendimento domiciliar. Diagnosticada com autismo severo, ela contava com as visitas diárias da professora para a realização das atividades. “Ela estava com o atendimento domiciliar por causa de um atestado médico. Na época, como a professora ainda estava vinculada à prefeitura, quando ocorreu a interrupção das aulas por causa do coronavírus, ela continuou os atendimentos de forma on-line”, ressalta Ana Sauter, mãe de Aline.

Ana explica que a professora enviava as atividades por e-mail e orientava por vídeo como elas deveria ser feitas. “A Aline está no sexto ano, mas não sabe escrever o nome dela ainda. Por mais que ela esteja matriculada, não tem todos os pré-requisitos para o conteúdo desta série. É bem complicado”, ressalta.

As dificuldades, segundo Ana, pioraram quando a professora que acompanhava Aline foi desligada do cargo, logo após o recesso antecipado da Rede Municipal de Ensino, em razão da pandemia do novo coronavírus. “Quando anunciaram o retorno, a professora recebeu a notícia de que o contrato dela não seria renovado, já que os atendimentos domiciliares estavam suspensos por conta da pandemia. Uma professora da sala de recurso da escola seria a responsável pelo atendimento on-line da minha filha. Ela iria fazer o material e me enviar para que eu fizesse as atividades com a minha menina”, ressalta.

Porém, no caso de Aline, as aulas não retornaram no dia 21. “Desde que o recesso escolar voltou, eu não recebi nenhum material”, indica. A dúvida de Ana é se após o desligamento da professora domiciliar, o atendimento voltará ao normal após o fim da pandemia.

Adaptação

Outros pais também relatam dificuldades com o ensino em casa, principalmente em repassar o conteúdo exigido para as crianças. Uma mãe que prefere não se identificar tem um filho de oito anos também diagnosticado com autismo e matriculado em uma escola municipal. “Nós recebemos com 10 dias de atraso os cadernos de atividades, enquanto as outras crianças já tinham recebido. Decidimos estudar com ele por conta própria antes de chegar o caderno, até para que ele não perdesse o ritmo”, ressalta.

Mesmo com o atraso, a mãe relata que tem o mesmo prazo para entregar as atividades que os outros alunos da classe. Segundo ela, o atraso que seria para a adaptação dos exercícios para os estudantes autistas não foi bem-sucedido. “Como não tem aula on-line, está sendo muito assim: ‘Faz a atividade da página tal’. Mas o suporte em si de como fazer essa atividade, ‘como vou adaptar essa atividade para uma criança que tem um funcionamento diferente cerebral’, não tem. Ele teve que fazer uma questão, por exemplo, sobre expressões faciais. Os autistas têm dificuldades gigantescas com isso, eles não sabem fazer reconhecimento facial; se você não disser para ele que você está triste, ele não sabe identificar”, explica.

De acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Ensino (Semed), os atendimentos domiciliares, como no caso de Aline, estão suspensos por causa da pandemia, mas serão retomados assim que as aulas presenciais forem reestabelecidas. Em relação aos cadernos de atividades, a assessoria ressalta que os professores auxiliares precisam de um tempo hábil para a adaptação das atividades para as crianças, por isso a diferença na data de entrega. Ainda segundo a Semed, a programação da “TV Reme”, veiculada no canal 4.2 no sinal digital aberto, também terá uma programação especial para crianças atípicas.

A educação de crianças e adolescentes autistas ou com transtorno de deficit de atenção tem sido um desafio durante a pandemia, com atividades a distância e sem o suporte presencial do professor especialista.

Crianças com TDAH e as videoaulas
RICARDO CAMPOS JR.
Em tempos de pandemia, aulas em casa podem se transformar em pesadelo para pais e professores de alunos com transtorno do deficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Quando o conteúdo é on-line, o desafio é dobrado: como manter a atenção dos pequenos em casa atrás de uma tela de computador, celular ou tablet?

A boa notícia é que é possível garantir aprendizagem mesmo a distância, mas para isso será necessário que todos os envolvidos no processo, leia-se educadores e responsáveis, arregacem as mangas e somem esforços para cumprir esse objetivo.

“É preciso ter um acordo entre a família e a escola para definir com detalhes como será o funcionamento das aulas e o suporte que essa criança vai ter: haverá alguém para ajudá-la?”, disse ao Correio do Estado a neuropsicóloga especialista em terapia comportamental Marli Aparecida da Silva Cotrim Ferro.

Segundo ela, existem dicas práticas que podem ser seguidas para garantir eficácia no processo ensino-aprendizagem, mesmo remoto.

JUNTOS

A primeira e talvez a mais importante delas é: o aluno não pode assistir às aulas desacompanhado. “Sozinha, a criança não vai dar conta. Tem que haver esse trabalho da família junto da escola. Claro, tudo depende da situação econômica: tem pais que podem pagar uma auxiliar, há outros que não. Nesse caso, pode ser pai, tio ou até um irmão mais velho”.

Quem está diante de níveis mais graves de TDAH com comorbidades, como transtorno do espectro autista (TEA), normalmente já sabe que precisa dessa ajuda extra. O problema está nos casos mais leves, muitas vezes negligenciados.

MENOS DISTRAÇÕES

Não basta a criança ter alguém do lado dela, é preciso ter o cuidado de preparar o ambiente onde a aula será ministrada.

Limitações físicas, como a falta de Wi-Fi e o ponto de internet em áreas comuns da casa, vão dizer onde o aluno acessará o conteúdo remoto. O segredo aqui é remover tudo que possa ser motivo de distração. “Manter teclado longe da criança, remover objetos, tudo para criar um ambiente favorável onde a aula seja mais visível e atrativa. Se tiver como ligar o computador na televisão, é muito interessante, pois cria-se um chamariz. Com isso, pais e professores criam um processo de interatividade para que a criança fique mais atenta”, pontua Marli.

ROTINA

Antes da pandemia, a criança tinha o ritual diário dela. Agora, tudo deve ser mantido da mesma forma: horário de acordar, banho, refeição e, principalmente, os medicamentos, caso eles sejam utilizados.

Evite ao máximo fazer com que as crianças sentem em frente da tela comendo, por exemplo. É preciso separar as atividades.

“Outro desafio: manter as atividades físicas dessas crianças. Elas precisam canalizar essas energias, nem que seja subindo e descendo escadas, mas precisa fazer”, pontua.

E OS PROFESSORES?

As aulas devem ser cuidadosamente preparadas, não apenas para chamar a atenção dos pequenos com TDAH, mas de todas as crianças.

É necessário optar por imagens coloridas, desenhos que prendam e auxiliem a manter o foco. Se é preciso usar obrigatoriamente uma metodologia específica, que se intercale o conteúdo com algum jogo, por exemplo, pare reforçar o que foi ensinado.

“Além disso, o professor, mesmo on-line, tem condições de chamar o aluno ao foco na mesma dinâmica que se fazia na aula”, completa a neuropsicóloga.

Matéria original: https://correiodoestado.com.br/correio-b/pais-de-alunos-com-autismo-e-tdah-tem-desafio-maior-com-ensino-a-distancia/373138